(O Globo) Ele não vivia de olho na lua, nunca pediu um telescópio ao pai de presente de aniversário, nem alimentava o sonho de ser astronauta. Quando criança, preferia desmontar os ventiladores das casas dos parentes para entender como funcionavam. Hoje, quase 40 anos depois, o brasileiro Ramon De Paula se tornou chefe de uma das missões mais promissoras da Agência Espacial Americana (Nasa): a Mars Phoenix Lander, que pousou com sucesso em Marte no último domingo .
Em entrevista exclusiva ao GLOBO ONLINE, por telefone, de Passadena, na California, Estados Unidos, o engenheiro formado e radicado nos EUA fala do alívio que sentiu no momento da confirmação do pouso da sonda em solo marciano, da apreensão pela abertura do braço mecânico da Phoenix - previsto para os próximos dias e que é de vital importância para a missão - e questiona a relevância de se mandar uma missão tripulada ao planeta vermelho algum dia.
- Se a gente pode adquirir o mesmo conhecimento com uma sonda, será que vale a pena se -arriscar em uma missão tripulada? - pergunta ele.
O GLOBO ONLINE - Por que explorar Marte?
RAMON DE PAULA - Marte tem muitas características similares às da Terra. Nossa intenção ao explorar o planeta é tentar entender o que aconteceu por lá - principalmente no que se refere à água, que desapareceu quase por completo do solo marciano - e trazer essas informações para a nossa vida. Entender o que aconteceu em Marte pode impedir que o mesmo aconteça por aqui. Por que o pouco de água que existe lá, hoje, está toda congelada? Por que isso aconteceu? O objetivo da missão é obter essas respostas.
Qual a importância da missão Mars Phoenix Lander?
RAMON - A missão Phoenix tem como objetivo estudar a atmosfera, o clima, o solo e o subsolo do Pólo Norte de Marte. É a primeira vez que temos oportunidade de analisar essa região do planeta onde acreditamos existir gelo - e que em outros tempos provavelmente abrigava água. Uma evidência disso são os polígonos e rachaduras aparentes nas imagens que dispomos do planeta.
Qual importância de se achar gelo em Marte?
RAMON - A descoberta de gelo na região pode fornecer dados preciosos sobre a história do planeta. Isso porque o gelo carrega muita informação. Só para se ter uma idéia, em 1cm3 de gelo retirado do Pólo Norte da Terra você encontra evidências (DNA) de milhares de formas de vida que existiram e ainda existem na região. A Phoenix vai procurar obter a maior quantidade de informações possíveis sobre esse gelo que existe no subsolo dessa região de Marte, analisar as moléculas que existem no gelo. E, quem sabe, encontrar moléculas orgânicas nas amostras. Evidências de vida.
Existe possibilidade de haver água em estado líquido no subsolo de Marte?
RAMON - É possível, em certas condições. Mas, ao que parece, pela pressão atmosférica lá ser muito pequena, essa água não permanece em estado líquido por muito tempo. Ocorre sublimação, conversão direta de gelo para vapor d'água. Com os dados da Phoenix quem sabe vamos entender melhor esse processo.
Quantas sondas foram enviadas a Marte antes da Phoenix?
RAMON- Se contados todos os orbitadores e aterradores enviados ao planeta até hoje, já passa de 40. Isso inclui, claro, missões do mundo todo, não apenas dos EUA. Agências da Rússia, do Japão e da Europa também já fizeram suas tentativas. Mas menos da metade das sondas enviadas ao planeta foram bem-sucedidas.
O que deu certo agora?
RAMON - Nós aprendemos muito com as missões que não tiveram sucesso, que não chegaram lá. Nós também fizemos muitos testes com equipamentos de missões que não vingaram, que foram abortadas. Muitos ajustes tiveram que ser feitos para que a missão fosse bem-sucedida.
Onde você estava ontem, no momento do pouso da sonda em Marte? Como comemorou?
RAMON - Eu acompanhei o pouso da sala de operações do JPL, junto com os técnicos da missão. Monitoramos todo o processo e confesso que fiquei muito preocupado no começo. Mas quando vi as primeiras imagens após a aterrissagem...
O que sentiu quando a sonda enviou os primeiros sinais de vida?
RAMON - Dei um grande suspiro e pensei "Chegou!". Mas nem tivemos tempo de comemorar direito. O alívio que senti após o envio dos primeiros sinais logo foi substituído pela expectativa do recebimento das primeiras imagens, pela apreensão quanto ao bom funcionamento dos equipamentos... O período à frente é de muito trabalho. A missão científica começa agora. Os próximos 90 dias serão de muita expectativa. Esperamos que dê tudo certo, que todos os equipamentos funcionem a contento e que possam nos enviar todas as informações que esperamos obter do solo de marte. Esse novo conhecimento será de grande importância para a humanidade.
Havia muita apreensão quanto ao momento do pouso em Marte. O risco que envolvia a missão acabou?
RAMON - Os riscos da missão não acabaram ainda. Nosso próximo desafio é a abertura do braço da Phoenix, que é fundamental para a missão. É ele que vai cavar o solo de Marte e coletar o material a ser analisado pelos instrumentos. Se houver qualquer falha no braço, será dificil cumprir a missão.
Para quando está prevista a abertura do braço da Phoenix?
RAMON - A previsão é de que o braço seja aberto nos próximos dias. Mas isso só será fixado
após alguns testes. Depois de um check-up completo no equipamento. Mas posso dizer que tudo está indo bem por enquanto.
É possível crer que um dia levaremos o homem a Marte? Em quanto tempo isso seria possível?
RAMON - Isso vai acontecer um dia, não tenho dúvidas. Mas ainda vai levar um tempo. Pode ser em 30 ou em 50 anos. Vai depender da tecnologia, do conhecimento que teremos adquirido até lá. Porque ainda temos muito que aprender antes de levar o homem a Marte. Além disso, vários fatores precisam ser considerados. Tem que se avaliar, por exemplo, o custo-benefício disso. Uma viagem a Marte não leva menos de 9 meses (só de ida). É uma missão muito longa, cansativa. Se a gente pode adquirir o mesmo conhecimento com uma sonda, será que vale a pena se arriscar em uma missão tripulada ao planeta vermelho? Tudo tem que ser considerado antes.
Há outros brasileiros envolvidos nesse projeto?
RAMON - Na missão Phoenix, especificamente, não. Mas é importante ressaltar aqui a importância da contribuição brasileira para o programa de exploração espacial. Temos que ter muito orgulho. O Brasil tem contribuído muito para o desenvolvimento de conhecimento sobre o espaço, seja através de parcerias com outros países ou através dos seus "filhos" que deixam a pátria para trabalhar em projetos nos EUA, no Japão, na Rússia, na Europa.
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