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quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Qual vida existe em Marte?

Cientistas admitem a alta probabilidade de haver bactérias e outros microorganismos no Planeta Vermelho, semelhantes aos que vivem na Terra nos mais extremos e inóspitos ambientes.



(Isto É) Foram pernas mecânicas que deram o maior e mais vigoroso passo da ciência nos últimos tempos - as pernas da sonda Phoenix, atual menina-dos-olhos e galinha dos ovos de ouro da Agência Espacial Americana (Nasa). A Phoenix caminhou sobre o solo do planeta Marte e, nele, descobriu a existência de água. E, porque fez-se água, com ela veio novamente à tona a mais ambiciosa e recorrente questão que apaixona astrônomos e biólogos de todo o mundo: há vida no Planeta Vermelho? A resposta quase unânime dada por essa mesma comunidade é sim. Para se ter uma idéia da credibilidade científica da sonda e de sua precisão tecnológica, ela, que estava condenada a ser desativada na semana passada, ganhou sobrevida até o final desse mês e já rendeu à Nasa mais US$ 2 milhões emergenciais autorizados pelo Congresso dos EUA a pedido do próprio presidente George W. Bush para o prolongamento da jornada. Essa é uma parte do cesto dos ovos dourados. A outra parte, com orçamento recorde, mas ainda não divulgado (somente a Phoenix custou US$ 420 milhões), é que estão previstas três grandes missões-chave em busca da vida marciana: as duas primeiras serão, respectivamente, em 2009 e 2018, ainda com robôs para coleta de material do solo, e a terceira, então tripulada, deverá partir da Terra em 2030. O lastro de todo esse investimento é justamente a descoberta, agora, de água extraterrestre. Pois bem, se a mitológica ave Phoenix, segundo a lenda, renasce das cinzas, e se a sonda homônima fez renascer água líquida do gelo, o que dizer sobre a vida que a presença de água suscita? "Somos contemporâneos de uma nova era da humanidade. Saímos da teoria, entramos na prática. É alta a probabilidade de que haja vida em Marte", declarou o cientista número 1 da Missão Phoenix, Peter Smith, da Universidade do Arizona. "Acho que agora estamos na iminência de descobrir algo de fato impactante no sistema solar", diz o astrofísico do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo Eduardo Janot-Pacheco.


O encontro de água no chamado Planeta Vermelho (a coloração vem do acúmulo de óxido de ferro) está para a astronomia como, por exemplo, o mapeamento dos genes está para a medicina. Essa é a sua importância. H2O, por si só, não teria lá muito valor, não fosse condição indispensável à vida. Isto é: só há vida, ainda que ela se estruture biologicamente de modo extremamente precário, onde há água. "Quando falamos de vida em Marte é preciso entendê- la como organização biológica de um sistema funcional auto-replicativo", diz a bióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro Claudia Lage, Ph.D. e especialista em radiobiologia e biofísica. Ou seja: quando se pensa em vida em Marte, talvez bata certa incredulidade em alguns terráqueos pelo fato de imaginá-la como somos nós, o nosso cachorro, nosso gato, nosso vizinho ou nosso ramster de estimação. Ocorre, no entanto, que há microorganismos na Terra, sobretudo bacterianos, que nunca vimos e provavelmente nunca os veremos, mas que estão aqui há bilhões de anos. É justamente a partir da combinação do conhecimento sobre o gelo que a Phoenix liquidificou em Marte com tudo o que já se sabe sobre esses tais microorganismos em nosso planeta que os pesquisadores afirmam que muito provavelmente exista vida - essa forma de vida - no subsolo marciano. É olhando microscópica e cientificamente para organismos que sobrevivem e se reproduzem nas mais incríveis condições e nos mais inóspitos ecossistemas da Terra que se estuda a vida no planeta vizinho. "A simples detecção de água líquida aumenta exponencialmente a chance de haver vida marciana. Se lá encontrarmos uma simples bactéria, essa já será uma das descobertas mais importantes da humanidade", diz Ivan Gláucio Paulino Lima, Ph.D. e um dos pioneiros no estudo da astrobiologia no Brasil.



Se praticamente são unânimes as opiniões sobre as condições favoráveis de habitabilidade a Marte, quais seriam então essas formas de vida extraterrestre que os cientistas pesquisam a partir da vida microbiana na Terra? Mergulha-se, aqui, num universo apaixonante. Trata- se de microorganismos, chamados extremófilos, que levam esse nome porque vivem em situações incrivelmente extremas. A Fossa Mariana, o mais profundo ponto dos oceanos, é um exemplo com seus cerca de 11 mil metros de profundidade. Olhemos para ela e, depois, para Marte. Nela, sempre é breu. Nela, a temperatura é sempre gelada. Nela, a pressão é sempre altíssima. Pois bem, é também nela que vivem os organismos classificados biologicamente como barofílicos. Segundo o cientista Alberto Lindner, pesquisador do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, cerca de dois terços do que chamamos Terra estão em "águas profundas, abaixo dos 200 metros." Mais: "Talvez seja o lugar onde haja mais vida no planeta". Vale argumentar: e se as condições ambientais marcianas forem ainda mais inóspitas com a temperatura oscilando entre 140 graus negativos e 20 graus positivos? Vale também a resposta científica dando conta de que, cá na Terra, os microorganismos psicrófilos sobrevivem em temperaturas extremamente baixas - aliás, somente nelas.


PRECISÃO A sonda Phoenix degelou em seu laboratório interno amostras do solo de Marte


Outras indagações importantes, e diretas, são: o que tem a ver a nossa Fossa Mariana com o planeta Marte? Essas formas simples de organismos podem já ter surgido lá no Planeta Vermelho? Crave um x na alternativa que indicar sim. "Marte já esteve em condições físicas e químicas similares às que encontramos hoje na Terra", diz a bióloga Claudia. "Formas simples de organismos podem já ter surgido naquele planeta." Na verdade, os extremófilos (bactérias, arquéias e demais formas minúsculas de vida) estão no interior de vulcões ferventes, no imperceptível espaço entre rochas, nas profundezas de geleiras, em camadas radioativas da crosta terrestre - e por que não em Marte? Segundo o astrofísico Carlos Alexandre Wuensche, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), "não seria nenhuma surpresa se extremófilos como esses fossem encontrados fora da Terra".

Um das regras básicas de qualquer ciência é a de que o contrário da verdade científica é o erro e, justamente por isso, toda tese que se pretende metodologicamente séria nesse terreno questiona-se a si mesma. É como alguém que advoga em seu íntimo contra as suas convicções para quiçá destruí- las ou, então, fortalecê-las ainda mais. Não é diferente com a questão da vida fora da Terra. Aqui, dois pontos são importantes. O primeiro deles foi levantado pela própria Nasa e trata da provável presença do oxidante perclorato no solo e subsolo marcianos. Está-se falando de uma substância altamente corrosiva e, claro, pode-se pressupor que ela impediria a existência de vida, mesmo a de um hiper-radical extremófilo. O pressuposto é equivocado: no deserto chileno do Atacama, por exemplo, há perclorato e diversas espécies vivem nele, firmes e fortes - entre elas arbustos e cactos, ratos, lagartos, cobras, vicunhas e nhandus.




Ainda advogando-se contra a riqueza natural de Marte, ou seja, contra as chances de lá ter-se originado vida, pode-se exibir o dado já comprovado de que esse planeta é extremamente vulnerável a radiações - sua proteção atmosférica é um papel de seda se comparada à proteção atmosférica que temos. É aqui que entra em cena uma das mais incríveis e maravilhosas formas de vida, a bactéria Deinococcus radiodurans. Ela sobrevive sem a menor alteração até no interior de um reator nuclear e atualmente os cientistas acreditam que tal bactéria também esteja presente em Marte, uma vez que passa incólume pelo bombardeio constante de radiação - resumindo, se o planeta não tem espessa atmosfera para se proteger, ela, a Deinococcus, protege-se biologicamente a si própria e sobrevive em qualquer ecossistema. "É uma bactéria hipoli-extremófila, resiste à pressão, à falta de nutrientes, às baixas temperaturas e ao vácuo", diz Paulino Lima, que se dedica quase exclusivamente ao estudo desse microorganismo em laboratório. "Submetemos essa bactéria a uma linha de luz que produz espectro de ultravioleta simulando a composição da radiação solar", diz o pesquisador. "Ela é imune a tudo." Resta lembrar que uma das hipóteses para o surgimento da vida na Terra envolve justamente a Deinococcus, que para cá teria migrado de algum ponto do espaço nas constantes tempestades de poeira cósmica que ocorrem há bilhões de anos, uma vez que resiste ao transporte no vácuo. Nada impede, então, que também em Marte ela tenha algum dia estacionado. Assim, é provável, bastante provável, que não estejamos sós no universo. Descarte- se a hipótese de um encontro com marcianas geladas, verdes ou platinadas. Admita-se, no entanto, que essa superpoderosa bactéria possa ser nossa companheira na espetacular imensidão em que vivemos.


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